Com inflação em desaceleração e reformas profundas, país vizinho mostra os custos e aprendizados de um choque fiscal

A inflação da Argentina registrou 1,6% em junho, representando uma leve aceleração em relação aos 1,5% de maio — quando o indice atingiu o menor nível mensal dos últimos cinco anos. No acumulado de 12 meses, o percentual é de 39,4%, resultado promissor comparado aos últimos meses e reflexo direto de uma política econômica agressiva do governo Javier Milei: cortes severos de gastos, congelamento de subsídios, valorização do câmbio e controle de preços pontuais.
Lucas Sharau, economista e sócio da iHUB Investimentos, avalia que o país está na direção certa, mas ainda precisa de outras medidas para garantir estabilidade de longo prazo. “A inflação caiu por um choque de política econômica, mas não é ainda uma desinflação estrutural. Isso só virá com reformas duradouras, metas fiscais confiáveis e um Banco Central independente, o que ainda está em construção por lá”.
A projeção de inflação para dezembro de 28,6%, embora elevada, sinaliza que o mercado confia na continuidade do ajuste. Parte desse otimismo vem do apoio do FMI, que liberou um pacote de US$ 20 bilhões condicionado a metas rígidas. “É uma faca de dois gumes. A disciplina fiscal melhora, mas a soberania política do país é testada. Sem consenso interno, o risco de retrocesso é real”, alerta Sharau.
Brasil ignora sinais de alerta e segue rumo ao desequilíbrio fiscal
Enquanto a Argentina promove uma reestruturação agressiva do Estado, o Brasil enfrenta um quadro preocupante: dívida pública em 76,1% do PIB, juros na casa dos 15% e gasto obrigatório consumindo a maior parte do orçamento.
“Se o Brasil continuar ignorando a necessidade de ajuste, vamos caminhar para um cenário muito parecido com o argentino pré-2023: inflação persistente, juros ainda maiores, câmbio instável e perda de credibilidade. A diferença é que temos menos espaço legal e político para agir de forma rápida”, aponta Sharau.
Segundo o especialista, o risco de um “ajuste tardio” no Brasil é alto e seria mais traumático. O país enfrenta restrições constitucionais que impedem, por exemplo, o congelamento de transferências a estados e municípios, como fez a Argentina. Além disso, o sistema federativo brasileiro limita a capacidade de desindexação de contratos e despesas. “O que lá foi feito por decreto, aqui exigiria ampla reforma constitucional, pactos políticos e fundos de compensação. É outro jogo, bem mais complexo”, analisa.
O que o Brasil pode aprender
O governo Milei implementou cortes drásticos: redução de 30% nos gastos públicos, superávit fiscal em janeiro de 2024 (o primeiro em 14 anos), privatizações e extinção de ministérios, de 18 para 8. O resultado foi um alívio macroeconômico e maior confiança dos mercados. Mas o custo social foi severo: a pobreza chegou a 52,9% no início do ano e recuou apenas com a melhora recente nos indicadores.
“O choque funcionou em termos fiscais, mas gerou desemprego, protestos e desgaste institucional. O Brasil precisa avançar nas reformas, mas de forma pactuada e com rede de proteção social, principalmente para os mais vulneráveis”, conta Sharau.
Segundo Sharau, a postura brasileira deve combinar responsabilidade fiscal com manutenção de investimentos essenciais e respeito às instituições. “Evitar medidas radicais e improvisadas é fundamental. O que a Argentina mostra é que esperar demais pode sair muito mais caro”, conclui.
Sobre iHUB Investimentos
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